Espaço de discussão e reflexão sobre a experiência do olhar e suas reverberações no corpo na construção/remontagem do espetáculo exposição "IN-REAL acontecimentos poéticos" da desCompanhia de dança.

sábado, 27 de outubro de 2012

Bel, mergulhe nessas palavras da Marcia Tiburi

"[...] ao entrar na memória, se está no lugar de uma construção-destruição. Vernant conta que este exercício tinha, para os gregos, a função de purificar a alma "concentrando-a, recolhendo-a em si mesma a partir de todos os pontos do corpo, de modo que assim reunida e isolada ela possa desligar-se do corpo e evadir-se" É esta a concentração do corpo que é preciso reter quando se pensa o que fazer com a memória, no que ela significa como potência de experiência." ( DIÁLOGOS-DANÇA, carta de Marcia Tiburi, p.121)
bjs
Cintia


terça-feira, 16 de outubro de 2012

Cena da Varanda

des, compartilho abaixo um texto do Nietzsche. Para mim, às vezes uso subtexto pessoal, oculto em camada profunda que não procuro compartilhar tal como ele é, no entanto gosto de deixar indícios sutis - afinal sutileza e elegância se dialogam entre si e são virtudes que admiro muito. Também percebo que a beleza é uma cortesia inerente ao trabalho artístico que costumo buscar. Mas quando uso esse termo, o conceito é relativo e amplo de interpretação, por isso vou explicar melhor o meu entendimento. Depois de um bate-papo com o Fernando Dourado, nosso iluminador, tenho refletido que beleza é algo que revela a Verdade - com V maiúsculo. Dessa maneira, percebo que há uma alquimia do feio para o belo. Esse encantamento acontece quando o feio revela algo sublime e ilumina o nosso olhar em relação ao mundo. Tornam-se belo - uma beleza que o tempo não consegue desgastá-lo. Acredito que a arte consegue fazer essa transmutação estética. E o interessante disso tudo, é que tanto na vida como na arte, o belo que revela o falso se torna feio e asqueroso. Acredito que o ser humano em geral não admira isso. Atrás da plasticidade das sombras projetadas no chão que tenho trabalhado na Casa Selvática, existe algo velado que é o limite da varanda, num sentido nada morbido, muito pelo contrário, quando estou nela, no limiar do “precipicio”, vejo a vida passar numa contemplação.

“Na varanda não há destino, cada pessoa abre o seu portal, é um espaço à parte do mundo. Ela fica na divisa entre o externo e o interno. Pisando nela, o tempo é a penumbra e pode ser recriado. Tudo se implode em si mesmo. Nesse lugar desviado da realidade, o mundo é o que decidimos escolher. Enxergar o que não se pode tocar. Negar o que é real. Ousar, avançar e cair no precipício. Asas do Ícaro que se derretem. Nada e tudo se fundem num devir do IN-REAL. Eu imagino o sorriso do Ícaro durante a sua queda” Yiuki Doi

“E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: “Esta vida, assim como tu a vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e seqüência – e do mesmo modo esta aranha e esta luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez – e tu com ela, poeirinha da poeira!” – Não se lançaria ao chão e rangerias os dentes e amaldiçarias o demônio que te falasse assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: “Tú es um deus, e nunca ouvi nada mais divino! Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse; a pergunta, diante de tudo e de cada coisa: “Quero isto ainda uma vez e ainda inúmeras vezes?” pensaria como o mais pesado dos pesos sobre teu agir! Ou então, como terias de ficar de bem contigo mesmo e com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação de chancela?”

Friedrich Nietzsche (1844-1900)

OBRAS INCOMPLETAS – Página 208
Seleção de textos de Gérald Lebrun
Tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho
Abril Cultura, 1983
Os Pensadores